domingo, 1 de março de 2015

Da Imagem - A NÉVOA DO OUTRORA - por Beatriz Fernandes







 Leitura da imagem:
 

Conservo esta pintura, há alguns anos, na porta do meu quarto. Algo me fascina nela e sou tomada por memórias que me constituem e vão provocando aquela nostalgia tranquilizante de um passado vivido.

 Na imagem, podemos observar, em primeiro plano, uma rapariga, nos seus anos de inocência, de vestido roxo, com o seu cabelo a esvoaçar. O dia está ventoso, o céu nublado, as andorinhas voam em bando e o mar parece revoltado. Os tons da duna, que, perto da rapariga, são claros, parecem cada vez mais assombrados, à medida que se aproximam do mar, algo desconhecido e assustador.  

  Na realidade, este quadro poderá ser entendido como o decorrer da vida, a qual vai perdendo a jovialidade e vai sendo desgastada pela saudade. Aproximamo-nos de algo, tal como esta rapariga, não se sabe bem do quê nem qual a sua profundidade, mas, mesmo sendo incógnita, somos obrigados a isso, devido ao tempo, ele que é fugaz e que passa por nós como aquele vento que se sente a bater nos cabelos, mas que até sabe bem e parece inofensivo. Estamos todos sujeitos à inexorabilidade do tempo.

Recriação Textual:

  Sento-me nesta poltrona e observo estas ruas vazias, cheias de gente tão oca e tão monótona, que nada preenche. Observo as crianças em balbúrdias, nos becos onde os perversos se alojam e onde mulheres vendem o que se usa para encadernar a alma. Entristeço-me com o que vejo e penduro os meus pensamentos lá em cima, no topo de tudo, deambulando pelos corredores de um passado, de há segundos atrás, onde o relógio corria.

  “Reza a nossa senhora, menina”, dizia-me a avó. Por onde andará ela agora? Lembro-me daqueles dias em que a via em redor da linha e da agulha, com a expressão de quem tudo serviu de bandeja à própria vida e nada recebeu, a não ser as costuras pregadas no rosto. Lembro-me das tardes em que ficava na rua… A chuva e as horas passavam por mim, sem eu dar por isso, ofuscada só com o que via e sentia (não pela obrigação de sentir), e onde o frio não gelava e os olhares possuíam mistério… Ali, não era um mero corpo ambulante e o ter de acordar, vestir e ainda pôr roupa no que era não provocava este desassossego. Vejo agora que todo aquele fervor, o que tinha e o que tentava ser era tão pequeno quanto eu e tão insignificante aos olhos de quem nunca soube da minha existência … Ninguém devia perder a inocência de toda a “desinocência” em que vive ou, ainda, viver na triste angústia de ter que abandonar, evoluir, criar e fazer disto algo bom e maior e melhor!

  Os silêncios tornaram-se ensurdecedores e os segundos passaram a ser contados. Dirijo-me agora ao mundo com o olhar de alguém que se conformou, ao ser obrigada a estar nesta poltrona, acorrentada a esta vida, agora autista, monótona e nauseabunda, que apodreceu e vai sendo devorada por seres necrófilos da memória. É aqui, neste patamar onde outrora sonhava, que relembro o amor sentido pelo mundo e por aqueles que se atreviam a chegar e, num ápice, fazerem as drogas da vida surtirem o seu efeito e prolongarem o tempo… Este tempo que corrói, provoca saudade e faz o meu relógio do peito parar.  


Beatriz Fernandes, 12º D

Sem comentários: