terça-feira, 21 de fevereiro de 2012

REcriar

 

O homem disse para o amigo: 
— Breve irei a tua casa 
e levarei minha mulher. 

O amigo enfeitou a casa 
e quando o homem chegou com a mulher, 
soltou uma dúzia de foguetes. 

O homem comeu e bebeu. 
A mulher bebeu e cantou. 
Os dois dançaram. 
O amigo estava muito satisfeito. 

Quando foi hora de sair, 
o amigo disse para o homem: 
— Breve irei a tua casa. 
E apertou a mão dos dois. 

No caminho o homem resmunga: 
— Ora essa, era o que faltava. 
E a mulher ajunta: — Que idiota. 

— A casa é um ninho de pulgas. 
— Reparaste o bife queimado? 
O piano ruim e a comida pouca. 

E todas as quintas-feiras 
eles voltam à casa do amigo 
que ainda não pôde retribuir a visita. 

Carlos Drummond de Andrade








     Carlos Drummond de Andrade descreve, na perfeição, uma situação hipotética mas no entanto, bem real, em que a ingratidão, falsidade, desrespeito e hipocrisia são bastante notórias; tais atitudes reinam e persistem no carácter da generalidade da sociedade actual. De facto, as expressões “duas caras“ou ”facada nas costas” nunca tiveram tanto significado e veracidade contida nelas como hoje em dia, ficando aquele que procura realmente uma relação de entre-ajuda e respeito chocado com o facto de tais comportamentos tão imorais se terem massificado e banalizado!
     O exemplo descrito no poema retrata uma “amizade” em que um dos amigos se preocupa efectivamente com o bem estar do outro, ansiando até visitá-lo, continuando a acolher o falso amigo, que, por seu lado, constantemente critica quem o respeita e quem o tem em consideração, sempre nas suas costas. Como se tal não bastasse, sabendo que o que o amigo lhe oferece é de certa forma benéfico, o falso amigo aproveita para continuar a usufruir disso, mesmo que isso implique um falso sentimento e uma relação baseada em interesses! 
     Este tipo de comportamento advém da carência de valores como a dignidade e o respeito pelo outro, que foram substituídos pelo egoísmo e pela dissimulação. A dimensão deste problema, na sociedade actual, é realmente preocupante pois, no fundo, a solidão existe muitas vezes de forma camuflada. Se nos questionarmos acerca daqueles que realmente sempre nos ajudaram, independentemente das circunstâncias, concluímos que nos encontramos por vezes sozinhos (ou algo perto disso) e aqueles supostos “amigos de toda a gente”  são os que mais vivem na aparência, em que aos olhos de terceiros parecem muito felizes e realizados, mas, na verdade, só se enganam a eles mesmos. Torna-se também importante realçar que ao longo das nossas vidas lidamos com imensas pessoas com todo o tipo de personalidades e tornamo-nos muito mais receosos antes de estabelecermos efectivamente laços com alguém, ou até mesmo partilhar parte da vida pessoal e/ou sentimental, pois já estamos alertados sobre a probabilidade de nascer uma relação de falsa amizade da qual acabamos por sair magoados. Isto faz com que as pessoas, em parte, se isolem para não correrem o risco de caírem neste tipo de situações; por outro lado, acabamos por ser muito mais selectivos na escolha daqueles que nos rodeiam, minimizando a hipótese de decepção.
     A falsa amizade é, assim, uma procura de benefício próprio: nasce como a verdadeira, é mantida como a leal, traz sorrisos como a saudável e termina com lágrimas, dor e sentimento de culpa.
Infelizmente, apenas a experiência de vida e o tempo, unicamente esses elementos, revelam as falsas amizades e fazem manter os verdadeiros sentimentos. Sentimentos de amizade e amor que jamais terão fim.

Um amigo falso e maldoso é mais temível que um animal selvagem;
 o animal pode ferir o nosso corpo, mas um falso amigo ferirá a nossa alma.
Buda






  PEDRO ALBERTO, 11º A