sábado, 5 de dezembro de 2009

Dorme enquanto eu velo...



"Dorme enquanto eu velo..." é um poema de Fernando Pessoa (ortónimo), que foi publicado ainda em vida do poeta, na revista Athena, nº3, em Dezembro de 1924. A revista, fundada e dirigida por Pessoa, teve poucos números, cessando a sua publicação no ano seguinte, em Fevereiro.

Dorme enquanto eu velo...
Deixa-me sonhar...
Nada em mim é risonho.
Quero-te para sonho,
Não para te amar.
A tua carne calma
É fria em meu querer.
Os meus desejos são cansaços.
Nem quero ter nos braços
Meu sonho do teu ser.
Dorme, dorme. dorme,
Vaga em teu sorrir...
Sonho-te tão atento
Que o sonho é encantamento
E eu sonho sem sentir.



Porquê este poema?
Pois bem, antes de mais o que me chamou a atenção neste poema foi o seu começo, "Dorme enquanto eu velo...", que desde logo me sugeriu uma abordagem no contexto “amoroso”, se assim lhe quisermos chamar, pois para amor poder-se-ia enumerar um sem número de sinónimos. Uma vez que Pessoa era uma ser realmente excêntrico, interessou-me, desde logo, saber mais sobre o conteúdo deste poema, e mais que o poema em si, aquilo que Pessoa realmente sentia sobre o tema em si.
Este poema tem uma abordagem do amor platónico e, como é característico em Pessoa (ortónimo), a linguagem é simples, mas rica, acompanhando-se de uma falta geral de expressão de emotividade em favor de um racionalismo pensado e taciturno.
E agora passo a explicar porque me sugeriu, o primeiro verso do poema, que o tema do mesmo seria amor - pois bem, numa breve e simples explicação, “Dorme enquanto eu velo...” é uma ideia associada ao amor, onde há partilha total e entrega absoluta, como tal acontece, ou poderia acontecer, na ideia subjacente a este verso, onde a pessoa que vela, oferece o seu tempo e trabalho para dar rumo à “embarcação”, e aquele que dorme entrega ao que está a velar, a sua confiança para o(a) dirigir “a bom porto”.
De seguida concluí, pela análise do poema na íntegra, que se trata de um amor platónico, que numa definição corrente e actual sugere toda a relação afectuosa em que se abstrai o elemento sexual, idealizada, por elementos de géneros diferentes, como num caso de amizade pura, entre duas pessoas. E para o demonstrar penso que quatro versos serão mais esclarecedores ao leitor do que qualquer explicação que pudesse desencantar algures a vaguear por entre os meus pensamentos:

Quero-te para sonho,
Não para te amar.
A tua carne calma
É fria em meu querer.


Aqui estão eles, e como este é um tema já proveniente da antiguidade clássica, este é um tema com um certo toque de “requinte” com uma boa dose de simplicidade e encantamento adicionados por Pessoa.
E, por fim, e para concluir, o porquê deste poema e não um outro qualquer de Pessoa (ortónimo), que eu remato dizendo que outro não existe, até porque não vi além de três poemas de Pessoa (ortónimo), este foi o terceiro, e agradou-me profundamente, logo não tem de haver um porquê relativo, mas sim absoluto que já foi justificado com base na temática.



Bruno Guimarães

1 comentário:

Fátima Inácio Gomes disse...

Belíssima análise, Bruno, com grande qualidade no discurso. Parabéns. ;-)