terça-feira, 2 de dezembro de 2008

Pessoa...












































Pessoa…

Sonhei, confuso, e o sono foi disperso,
Mas, quando despertei da confusão
Vi que esta vida aqui e este universo
Não são mais claros do que os sonhos são

Obscura luz paira onde estou converso
A esta realidade da ilusão
Se fecho os olhos, sou de novo imerso
Naquelas sombras que há na escuridão.

Escuro, escuro, tudo, em sonho ou vida,
É a mesma mistura de entre-seres
Ou na noite, ou ao dia transferida.


Nada é real, nada em seus vãos moveres
Pertence a uma forma definida,
Rastro visto de coisa só ouvida.

In Inéditos



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No Túmulo de Christian Rosencreutz

I

Quando, despertos deste sono, a vida,
Soubermos o que somos, e o que foi
Essa queda até Corpo, essa descida
Até à Noite que nos a Alma obstrui,

Conheceremos pois toda a escondida
Verdade do que é tudo que há ou flui?
Não: nem na Alma livre é conhecida…
Nem Deus, que nos criou, em Si a inclui.

Deus é o Homem de outro Deus maior.
Adão Supremo, também teve Queda;
Também, como foi nosso Criador,

Foi criado, e a Verdade lhe morreu…
De além o Abismo, ‘Sprito Seu, Lha veda;
Aquém não a há no Mundo, Corpo Seu.

II

Mas antes era o Verbo, aqui perdido
Quando a Infinita Luz, já apagada,
Do Caos, chão do Ser, foi levantada
Em Sombra, e o Verbo ausente escurecido.

Mas se a Alma sente a sua forma errada,
Em si, que é Sombra, vê enfim luzido
O Verbo deste Mundo, humano e ungido,
Rosa Perfeita, em Deus crucificada.

Então, senhores do limiar dos Céus,
Podemos ir buscar além de Deus
O Segredo do Mestre e o Bem profundo;

Não só de aqui, mas já de nós, despertos,
No sangue actual de Cristo enfim libertos
Do a Deus que morre a geração do Mundo.

III

Ah, mas aqui, onde irreais erramos,
Dormimos o que somos, e a verdade,
Inda que enfim em sonhos a vejamos,
Vemo-la, porque em sonho, em falsidade.

Sombras buscando corpos, se os achamos
Como sentir a sua realidade?
Com mãos de sombra, Sombras, que tocamos?
Nosso toque é ausência e vacuidade.

Quem desta Alma fechada nos liberta?
Sem ver, ouvimos para além da sala
Calmo na falsa morte a nós exposto,
O Livro ocluso contra o peito posto,
Nosso Pai Rósea-Cruz conhece e cala.

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Fui-me negando todos os poemas pessoanos que li até não conseguir prescindir mais, e foram estes dois que se me quedaram, um poema em soneto e três sonetos num poema, ambos de um rigor formal que atestam a sua mais que capacidade, natureza talvez, mas que nada tem a ver com o porquê de escolhê-los…

O primeiro, “Sonhei, confuso, e o sono foi disperso”, encanto-me não só pelo fluir poético que é por si só genial, mas pela compleição inquisitiva, reflexo de uma busca por algo tão impalpável como eram incolores as lágrimas que esta ambição sem meta seguramente azaravam, àquele pobre homem que, por desprovido d’ignorâncias que indubitavelmente foi, ousou viver de mãos dadas a um querer tão maior que o mundo, razão pela qual, inatingível…

Quanto ao segundo, “no túmulo de Christian Rosencreutz”, aparte de tudo o que ele é e representa, é-me querido por, bem, ser um estandarte do melhor que vejo em Pessoa e dolorosamente não em mim. Desde pequeno que Fernando se mostrou mais que capaz de se adaptar ao mundo (entenda-se o enquadramento circunstancial no qual existia)… Se este mundo é pequeno, sonha-se outro; se sou demasiado grande para caber em mim, pois bem, façam-se algumas dúzias de “Eus” para distribuir a fartura, e por aí fora…

Bfff… É-me muito difícil escrever o que, agora que tento colocar algo dele e de mim na mesma página, me ocorre, razão pela qual espero que se perdoem algumas quebras no acontecer do meu texto, mas…

Bem, Pessoa… Teve ânsias como todos, mas o ele ser, bem, Ele, fez com que estas fossem “gravemente exageradas” (como a morte de um congénere, talvez seu desconhecido). Foi o génio, e não a dor à qual estava condenado à nascença, que tanto o fizeram sofrer, porque ao contrario das outras pessoas, mais simples, como Pessoa gostaria de ter sido, ele sentia que sofria, via quanto sofria, mas não lhe eram suficientes as explicações para a dor que mais que bastavam a todos os outros, daí talvez o ocultismo ter surgido como parte da resposta ao problema que sempre lhe foi jugo.

É nisto que falho, e que mais me custa falhar agora que o tenho como exemplo… Tenho ânsias e problemas como todos, mas vendo quão grandes ou mesquinhas são, e sabendo porque me afligem, escolho sem pensar manter-me ao lado da caminhos que identifico como meus, deitado numa cama de memórias falsas com um cobertor de inércia a resguardar-me os olhos da luz que me põe a nu a fraqueza…




Não tenho mais que escrever contudo o texto soa-me incompleto… Se algo mais me ocorrer eu comunico.



Bruno Senra

1 comentário:

Cláudia Amorim disse...

Oh brunis..."Mal du Pays"!!
<3

depois passo por cá com mais tempo.
;)