terça-feira, 18 de novembro de 2008

Quando está frio...


Quando está frio no tempo do frio, para mim é como se estivesse agradável,
Porque para o meu ser adequado à existência das cousas
O natural é o agradável só por ser natural.


Aceito as dificuldades da vida porque são o destino,
Como aceito o frio excessivo no alto do Inverno —
Calmamente, sem me queixar, como quem meramente aceita,
E encontra uma alegria no facto de aceitar —
No facto sublimemente científico e difícil de aceitar o natural inevitável.


Que são para mim as doenças que tenho e o mal que me acontece
Senão o Inverno da minha pessoa e da minha vida?
O Inverno irregular, cujas leis de aparecimento desconheço,
Mas que existe para mim em virtude da mesma fatalidade sublime,
Da mesma inevitável exterioridade a mim,
Que o calor da terra no alto do Verão
E o frio da terra no cimo do Inverno.


Aceito por personalidade.
Nasci sujeito como os outros a erros e a defeitos,
Mas nunca ao erro de querer compreender demais,
Nunca ao erro de querer compreender só com a inteligência,
Nunca ao defeito de exigir do Mundo
Que fosse qualquer cousa que não fosse o Mundo.


(Alberto Caeiro)


Não foi por acaso que escolhi este poema. Escolhi-o porque surgiu de uma forma inesperada: estava gravado no meu computador já algum tempo e por ali ficou até ao dia em que decidi fazer-lhe uma “limpeza”.
Depois de o reler (visto que já o conhecia) adorei o seu carácter simplista, mas ao mesmo tempo sublime.
Dou ainda mais valor a este poema agora que sou conhecedora da simplicidade, apenas aparente, da poesia Caeiriana.
Caeiro é, de facto, o “poeta da Natureza” e talvez por isso me identifique tanto com este poema, porque sempre apreciei o natural, o que o mundo tem de mais genuíno, a natureza.
É observando a natureza que vemos o estado puro/natural das coisas, precisamente porque os seres vivos nela inseridos não têm consciência nem pensam, são apenas reais. Hoje em dia o ser humano vive tão obstinado em pensar, em racionalizar tudo ou quase tudo o que vê ou o que lhe acontece que nem repara o quão bela é a essência das coisas.
Caeiro vê o mundo sem necessidade de explicações. Caeiro vê o mundo como quem vê um sorriso de uma criança, algo que não tem justificação ou explicação lógica, algo que é apenas maravilhoso e inexplicável.
Tudo o que nos é dado hoje ser-nos-á retirado um dia e, por isso mesmo, devemos aproveitar cada dia e cada sensação.
Dificuldades? Quem não as tem? Fazem parte do nosso percurso natural de vida e, como afirma Alberto Caeiro, “são o destino”, por isso mesmo devemos aceitá-las como sendo mais uma “pecinha” a acrescentar ao complexo puzzle que é a nossa vida.
É com a última estrofe que me identifico especialmente, talvez porque Caeiro incute a ideia de que todos pertencemos a uma mesma espécie biológica, somos seres humanos, e vivemos no mesmo mundo, mas com formas e padrões de vida diferentes. Uns mais racionalistas, a quem nada escapa sem uma explicação racional, uns mais espirituais, a quem a vida surpreende todos os dias, “eterna novidade do mundo”.
O ser humano é livre para viver quer de um modo mais racionalista, quer de um modo espiritualista. Porém, na minha opinião, todos nós deveríamos possuir uma parte de Pessoa ortónimo e, sem dúvida, uma parte de Alberto Caeiro!
Pensa, delibera, mas acima de tudo, sente!



Sara Carreira 12ºF

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