segunda-feira, 13 de agosto de 2007

TORGA... o Gigante!!!!


Ontem não pude vir cá, para assinalar os 100 anos do nascimento de Miguel Torga, mas nunca é tarde para prestar homenagem a quem nos lembra que o Homem pode ser sempre Maior! E o Poeta, então, esse... nunca morre.


E o Poeta morreu.

A sombra do cipreste pôde enfim

Abraçar o cipreste.

O torrão

Caiu desfeito ao chão

Da aventura celeste.


Nenhum tormento mais, nenhuma imagem

(No caixão, ninguém pode

Fantasiar).

Pronto para a viagem

De acabar.


Só no ouvido dos versos,

Onde a seiva não corre,

Um rima perdura

A dizer com brandura

Que um Poeta não morre.


Miguel Torga



E como nunca é demais ouvir, ler, sentir Torga, peço-vos que relembrem o "Livro de Horas", o "Desfecho", o "Dies Irae", falados na aula, e deixo-vos, ainda...



Desço aos infernos, a descer em mim.

Mas agora o meu canto não perfura

O coração da morte,

À procura

Da sombra

Dum amor perdido.

Agora

É o repetido

Aceno

Do próprio abismo

Que me seduz.

É ele, embriaguez nocturna da vontade,

Que me obriga a sair da claridade

E a caminhar sem luz.


Ergo a voz e mergulho

Dentro do poço,

Neste moço

Heroísmo

Dos poetas,

Que enfrentam confiantes

O interdito

Guardado por gigantes,

Cães vigilantes

Aos portões do mito.


E entro finalmente

No reino tenebroso

Das minhas trevas.

Quebra-se a lira,

Cessa a melodia;

E um medo triste, de vergonha e assombro,

Gela-me o sangue, rio sem nascente,

Onde o céu, lá do alto, se reflecte,

Inútil como a paz que me promete.

3 comentários:

Scorpionster disse...

Orfeu Rebelde

Orfeu rebelde, canto como sou:
Canto como um possesso
Que na casca do tempo, a canivete,
Gravasse a fúria de cada momento;
Canto, a ver se o meu canto compromete
A eternidade do meu sofrimento.

Outros, felizes, sejam os rouxinóis...
Eu ergo a voz assim, num desafio:
Que o céu e a terra, pedras conjugadas
Do moinho cruel que me tritura,
Saibam que há gritos como há nortadas,
Violências famintas de ternura.

Bicho instintivo que adivinha a morte
No corpo dum poeta que a recusa,
Canto como quem usa
Os versos em legítima defesa.
Canto, sem perguntar à Musa
Se o canto é de terror ou de beleza.



é... ontem à noite é que a RTP2 foi potente...
Aprendi que ele gostava disto...




QUEM DEIXARÁ, DO VERDE PRADO UMBROSO


Quem deixará, do verde prado umbroso,
as frescas ervas e as lustrais nascentes?
Quem, de seguir com passos diligentes
a solta lebre, o javali cerdoso?

Quem, com o canto amigo e sonoroso,
não prenderá as aves inocentes?
Quem, nas horas da sesta, horas ardentes,
não buscará nas selvas o repouso,
por seguir os incêndios, os temores,
os zelos, iras, raivas, mortes, teias
do falso amor que tanto aflige o mundo?

Do campo são e hão sido meus amores,
rosas são e jasmins minhas cadeias,
livre nasci, e em livre ser me fundo.


Miguel Cervantes

Scorpionster disse...

:-)


"Guardado por gigantes,

Cães vigilantes

Aos portões do mito."

são-me arrebatadoras estas sublimes referências mitológicas...

Fátima Inácio Gomes disse...

Obrigada, Bruno, é sempre tão bom ouvir Torga!... e até Cervantes, para o caso. :D